Os conceitos


Os conceitos são a criação específica da filosofia. Enquanto as artes criam afectus e perceptus, e a ciência cria funções, a filosofia cria conceitos. Elas se diferenciam enquanto atividade criadoras, mas existem ressonâncias nas suas criações: há casos de conceitos perpassados fortemente por afectus (como os conceitos da filosofia de Nietzsche) assim como há afectus perpassados de conceitualidade (como a poesia de Fernando Pessoa).  Pode-se dizer que atuando como centros de vibração de pensamento, os conceitos alcançam níveis afectivos e perceptivos, assim como a atuação dos afectus e perceptos - como centros de vibração de sensações - atingem os atos de pensamento.

Os conceitos filosóficos são complexos, formados por partes e componentes, assim como os afectus e perceptus são blocos de sensações e não sensações isoladas. São complexos de intuições e ideias, ou melhor dizendo, são compostos de atos de pensamento. Os afectus e percetos não são memórias individuais, assim como os conceitos não são as opiniões de cada um (a filosofia não se caracteriza pelo ter ou discutir opiniões, mas pela condensação de atos de pensamento em conceitos). 

Os conceitos remetem a problemas. De acordo com Deleuze, a filosofia, só é vista como abstrata, difícil e distante na medida em que não somos capazes de dizer qual problema um conceito tenta responder. Mas os problemas filosóficos não são qualquer problema, não podem ser respondidos com uma pesquisa empírica ou com uma “checagem” dos fatos. Se um problema pode ser respondido com uma pesquisa, num laboratório, ou com um simples apontar, então esse problema (geralmente) não interessa a filosofia. Pode-se dizer que é um problema pobre de conceitualidade. Talvez possa interessar as ciências, que os transformará em funções. Mas deve ser guardado que o sentido do conceito é o problema. Mas além de remeter a problemas os conceitos tem características:

(1) Os conceitos têm história. Todo conceito é feito com pedaços de outros conceitos que diziam respeito a outros problemas ou outros planos diferentes. As partes do conceito podem se tornar elas mesmas outros conceitos, com suas partes que também podem ser tomadas como conceitos, indefinidamente (as partes dos conceitos se ampliam em rede). Por exemplo, o conceito de Deus, tem como uma de suas partes, a ideia de Existência, mas se tomarmos  “Existência” como conceito encontraremos a ideia de Ser dentro deste novo conceito, como também encontramos a ideia de “Nada” e a de “Essência”. Mas cada uma delas pode assumir a função de conceito e tomar as outras como uma de suas partes (as partes de um conceito abrem-se em séries infinitas).

(2) os conceitos tem consistência porque estabelecem uma relação entre seus elementos, torna-os inseparáveis e articulados, faz passar algo entre eles. Um conceito é um “ponto de encontro” de suas partes, um ponto de condensação, de acúmulo (no conceito de Deus, se encontram a essência, o nada, a existência, a perfeição). Nas palavras do autor: um conceito define-se pela inseparabilidade de um número finito de componentes heterogêneos percorridos por um ponto em sobrevôo absoluto, à velocidade infinita”.

(3) O conceito é dinâmico, está em movimento, é formado por atos de pensamento, não por idéias prontas: O conceito não deixa de percorrer seus componentes de alto a baixo. O filósofo está sempre remanejando seus conceitos, percorrendo a avenida que torna suas partes vizinhas, mudando a localização das casas de acordo com as relações de simpatia e antipatia entre os vizinhos, abrindo novas avenidas, mudando o sentido das vias, tapando os buracos do asfalto. Os afectus e percepetus criam um ser de sensação, enquanto os conceitos criam um ser de pensamento, mas um ser de atos de pensamento em movimento, não de pensamentos prontos e já concebidos.

O filósofo impregna a consistência de seus conceitos de maneira intrínseca e necessária, ele é um personagem conceitual que auxilia na consistência, na liga entre as partes. Diferente do que acontece nas ciências, nelas, uma idéia leva o nome de seu autor (lei de Newton, diagrama de Pauling, coordenada cartesiana), mas o nome poderia ser outro, poderia ser qualquer um, enquanto que na filosofia assinatura do conceito dá um aspecto especial a ele. As idéias de Nietzsche não seriam o que são se não fossem amparadas pela personalidade do próprio Nietzsche, a sabedoria dos conceitos de Epicuro seria outra sem a coerência que a vida que ele  levou deu aos seus conceitos.   (texto Jorge Alam Pereira)

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